GENEBRA (21 de Outubro de 2020) – Uma especialista em direitos humanos da ONU exortou hoje o Supremo Tribunal do Brasil a reconhecer o direito à reparação dos indivíduos que, enquanto crianças, foram separados dos seus pais afectados pela hanseníase e segregados da sociedade.
Cerca de 16.000 crianças foram separadas dos seus pais afectados pela hanseníase e enviadas para instituições entre 1923 e 1986, em conformidade com a política de segregação forçada então praticada pelo Estado. Durante a última década, foram apresentados vários casos pelas crianças separadas nos tribunais estaduais, mas estes ainda estão pendentes.
“O Supremo Tribunal tem agora uma oportunidade de corrigir esta injustiça que, dados os seus efeitos duradouros, deve ser considerada uma violação permanente de natureza imprescritível”, disse Alice Cruz, que em 2017 se tornou a primeira Relatora Especial da ONU para a eliminação da discriminação contra as pessoas afectadas pela hanseníasee os seus familiares. “Estas pessoas suportaram uma vida inteira de sofrimento em resultado deste tratamento desumano e, para muitos que são agora idosos, o tempo está a esgotar-se para que vejam corrigidos os erros do passado”.
O caso deverá ser ouvido pelo Supremo Tribunal antes do final do ano. “O Brasil tem o dever de oferecer reparações totais, incluindo um pedido de desculpas, memorialização e reabilitação, aos filhos separados de pessoas afectadas pela hanseníase, em conformidade com as normas internacionais relevantes em matéria de direitos humanos”, disse Cruz, acrescentando que tem instado repetidamente as autoridades a agir, sem demora. (Ver relatório de missão, A/HRC/44/46/Add.2, e carta de alegação).
A perita da ONU afirmou que muitas das crianças relataram ter sido abusadas em instalações estatais conhecidas como “preventórios”. Durante a sua visita ao Brasil em Maio de 2019, Cruz ouviu testemunhos de várias crianças separadas, que são agora adultos.
“Fui tirada da minha mãe quando era bebé e enviada para o preventório”, disse uma das vítimas a Cruz. “Quando eu tinha 7 anos, o sapateiro que trabalhava no preventório disse que eu era uma menina bonita, por isso ele seria o meu pai. Eu estava feliz porque sentia muito a falta dos meus pais. O sapateiro obrigou-me então a sentar no seu colo e começou a apalpar-me o corpo. Senti-me desconfortável, mas ele disse-me para ficar calada e fez-me sentir o cheiro da cola para sapatos, o que me fez sentir tonta. Ele violou-me. Brincaram com a minha vida”.
“O Brasil tem feito vários esforços louváveis na proteção dos direitos das pessoas afectadas pela hanseníase, mas é preciso fazer mais, especialmente no que diz respeito aos direitos dos seus filhos e filhas reparações”, disse a Relatora Especial. “Espeo que a decisão do Supremo Tribunal brasileiro reconheça finalmente os direitos das vítimas enquanto estas estiverem vivas e a proceder desta forma a um avanço importante na história sombria da hanseníase em todo o mundo”. Justiça atrasada é justiça negada”.
FIM
A Sra. Alice Cruz é a Relatora Especial da ONU para a eliminação da discriminação contra as pessoas afetadas pela hanseníase e seus familiares. Ela foi nomeada em novembro de 2017 pelo Conselho de Direitos Humanos. A Sra. Cruz trabalhou como Professora Externa na Faculdade de Direito da Universidade Andina Simón Bolívar – Equador e em várias universidades portuguesas como pesquisadora em saúde e direitos humanos, especialmente hanseníase. Ela participou da elaboração das Diretrizes da OMS para o Fortalecimento da Participação de Pessoas Afetadas pela Hanseníase em Serviços de Hanseníase. Ela tem pesquisado e escrito sobre o assunto da eliminação da hanseníase e do estigma associado a ela, e tem interagido com várias partes interessadas no tema, incluindo pessoas afetadas pela hanseníase.
Relatores Especiais fazem parte do que é conhecido como os Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos. Procedimentos Especiais, o maior corpo de peritos independentes no sistema de Direitos Humanos da ONU, é o nome genérico dos mecanismos independentes de busca e monitoramento do Conselho que abordam situações específicas de países ou questões temáticas em todas as partes do mundo. Especialistas em Procedimentos Especiais trabalham voluntariamente; eles não são funcionários da ONU e não recebem salário por seu trabalho. Eles são independentes de qualquer governo ou organização e servem em sua capacidade individual.
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