GENEBRA (11 de julo de 2024) – Um especialista em direitos humanos pediu hoje ao Supremo Tribunal Federal e ao Senado Federal que garantam os direitos dos Povos Indígenas às suas terras, territórios e recursos naturais e suspenda a aplicabilidade de uma lei contestada constitucionalmente, que corre o risco de privá-los ou expulsá-los de suas terras tradicionais. O Relator Especial da ONU sobre os direitos dos Povos Indígenas, José Francisco Calí Tzay, emitiu a seguinte declaração:
“Embora parabenize o Supremo Tribunal Federal do Brasil por sua decisão de rejeitar a doutrina do ‘Marco Temporal’, estou particularmente preocupado com o pouco tempo decorrido entre a decisão concluída em setembro de 2023 e a aprovação da Lei 14.701/2023 pelo Congresso em dezembro 2023, que implementa esta doutrina. Não ficou claro o que poderia justificar uma rediscussão do entendimento jurídico já determinado pelo STF, dado este curto espaço de tempo. Também me preocupam as novas iniciativas legislativas no Senado que visam consolidar a doutrina do “Marco Temporal” na Constituição Federal.
O Marco Temporal estabelece que a demarcação dos territórios indígenas esteja condicionada à ocupação das terras reivindicadas no momento em que a Constituição do Brasil foi promulgada em 5 de outubro de 1988. Em diversas ocasiões, meu mandato criticou a implementação do Marco Temporal e, sua aceitação pelo mais alto tribunal do Brasil, teria resultado em uma violação dos padrões internacionais de direitos humanos que reconhecem os direitos dos Povos Indígenas às suas terras e territórios com base no uso e posse tradicional sem limitação temporal.
A Lei 14.701/2023 que regulamenta a doutrina do Marco Temporal está sendo contestada perante o STF por meio de cinco processos judiciais que buscam a declaração de inconstitucionalidade. Em 22 de Abril de 2024, o Supremo Tribunal suspendeu estes processos legais e sugeriu, em vez disso, um processo de mediação e conciliação dos interesses dos Povos Indígenas e do agronegócio. Preocupa-me que esta suspensão vise processos judiciais que discutam a constitucionalidade da Lei 14.701, mas não impede que a lei questionada seja aplicada a todos os processos de demarcação em curso, o que pode gerar danos irreparáveis.
Os direitos dos Povos Indígenas são defendidos e garantidos por normas jurídicas internacionais, incluindo a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a Convenção n.º 169 da OIT; são inalienáveis e não podem ser negociados. Os direitos dos Povos Indígenas devem ser reconhecidos, aplicados e respeitados tanto em nível federal quanto estadual – seja por meio de processos de demarcação e proteção de terras e territórios indígenas, ou por meio da implementação de políticas nacionais para garantir o direito à vida, à saúde e à segurança dos Povos Indígenas do Brasil.
É importante que o Estado brasileiro lembre que, as terras e territórios tradicionalmente pertencentes ou ocupados pelos Povos Indígenas, são elementos definidores de sua identidade, cultura e sua relação com os ancestrais e as gerações futuras. Abrir o caminho para políticas extrativistas apenas para interesses empresariais, legitimará a violência contra os Povos Indígenas e violará os seus direitos às terras, territórios e recursos naturais.
No contexto das mudanças climáticas, as terras tradicionalmente pertencentes ou ocupadas pelos Povos Indígenas são vitais para a proteção da biodiversidade contribuindo para o equilíbrio climático devido à relação harmoniosa e espiritual que mantêm com a natureza. Permitir atividades de mineração, exploração de ouro e pecuária também formalizaria um completo retrocesso ambiental, comprometendo o cumprimento das metas assumidas pelo Brasil nos tratados internacionais que visam reverter as mudanças climáticas com urgência.
Apelo ao Supremo Tribunal Federal do Brasil que suspenda a aplicação da Lei 14.701 até que uma decisão sobre sua constitucionalidade seja adotada. Esta suspensão poderia evitar um risco iminente para os Povos Indígenas do Brasil de serem privados ou despejados de suas terras tradicionais nos termos da Lei 14.701, atualmente em vigor. Apelo também ao Senado Federal para que respeite as normas internacionais de direitos humanos que reconhecem os direitos dos Povos Indígenas às suas terras e territórios sem limitação temporal.”
FIM
Francisco Cali Tzay é o Relator Especial sobre os direitos dos Povos Indígenas.
Os Relatores Especiais fazem parte do que é conhecido como Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos. Procedimentos Especiais, o maior órgão de peritos independentes no sistema de Direitos Humanos da ONU, é o nome genérico dos mecanismos independentes de apuramento de factos e monitorização do Conselho que abordam situações específicas de países ou questões temáticas em todas as partes do mundo. Os peritos dos Procedimentos Especiais trabalham de forma voluntária; eles não são funcionários da ONU e não recebem salário pelo seu trabalho. Eles são independentes de qualquer governo ou organização e atuam a título individual.
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