SANTIAGO (17 de janeiro de 2022) – Um grupo de especialistas independentes da ONU* se manifestaram, através de um comunicado dirigido às autoridades governamentais do Brasil, sua preocupação com episódios de violência política, particularmente contra representantes afrodescendentes democraticamente eleitas que tem liderado campanhas contra o racismo, discriminação de gênero e transfobia.
Durante as eleições municipais de 2020 foram denunciados uma série de casos de violência eleitoral e política no Brasil. Porém, a violência política não se limitou às eleições e se transformou em uma questão mais generalizada.
“A violência política e eleitoral não é isolada, de acordo com relatórios, e está sendo utilizada como uma ferramenta para obter e manter o poder, impedindo o acesso de grupo subrepresentados, inclusive das mulheres afro-brasileiras e das mulheres LGBTI”, disseram as e os especialistas no comunicado.
As e os especialistas citaram três casos emblemáticos de representantes que receberam repetidas ameaças de morte e intimidações, aparentemente com o objetivo de impedir o exercício de seus direitos políticos.
O primeiro caso é de Benny Briolly, a primeira mulher afrodescendente e trans a ser eleita como vereadora da cidade de Niterói. Em 2020, uma autoridade da cidade fez um discurso racista e transfóbico contra Briolly e incitou ataques contra ela de diversas maneiras, o que acarretou no recebimento de várias agressões e ameaças direcionadas à vereadora nas redes sociais.
Para sua segurança, em maio de 2021, Briolly decidiu abandonar o país até que fosse aceita no Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas e que fossem implementadas medidas de proteção e segurança. Porém, segundo informações recebidas pelo grupo de especialistas, a vereadora continua exposta a alto risco, já que o mencionado programa não pode conceder-lhe proteção adequada por falta de recursos financeiros.
O segundo caso é de Ana Lucia Martins, ativista social que foi eleita a primeira vereadora afrodescendente da cidade de Joinville, em 2020. Desde o anúncio dos resultados, a vereadora Martins teria recebido ataques racistas e ameaças de morte através da internet. A polícia de Joinville identificou um suspeito, contudo a investigação ainda não foi concluída.
Em resposta a essa situação, em junho de 2021, a Coordenação Geral de Proteção de Testemunhas e Defensores de Direitos Humanos incluiu a vereadora Martins no Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas. No entanto se alega que a inclusão no programa não tem sido efetiva, e ela permanece em uma situação de insegurança e sem proteção garantida.
O terceiro e último caso citado é da Talíria Petrone, mulher afrodescendente e feminista, que em 2016 foi eleita para a Câmara Municipal de Niterói. Petrone informou que durante 2017 foi diariamente ameaçada e alvo de delitos de caráter racista e sexista. Em março de 2018, frente o assassinato da vereadora Marielle Franco, as ameaças a Petrone aumentaram. Mesmo assim, depois de sua eleição para a Câmara dos Deputados em 2019 recebeu mais ameaças e virou foco de um discurso de ódio incendiário. Desde então, Petrone teve que se deslocar e não conta com uma proteção adequada e efetiva por parte do Estado.
“Segundo as informações recebidas, o Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos no Brasil atualmente está marcado por uma incerteza sobre sua continuidade. Vinte estados da Federação não contam com programas de proteção, apesar do crescente número de denúncias de ameaças e ataques a pessoas defensoras de direitos humanos”, declararam as e os especialistas.
“Observamos especialmente que as acusações anteriores envolvem o discurso de ódio perpetuado e instigado por atores públicos. Segundo a informação recebida, o discurso de ódio tem levado as mulheres afro-brasileiras politicamente ativas, e em particular as mulheres trans afro-brasileiras, a temer por sua segurança física, a reduzir suas atividades políticas, a mudar sua residência e inclusive fugir do Brasil. É um princípio fundamental do direito internacional dos direitos humanos que todas as pessoas tenham o direito a participar nos processos políticos, sem discriminação”, adicionaram.
A comunicação do grupo de especialistas foi enviada de maneira privada ao governo brasileiro em outubro de 2021, e se fez pública ao final de dezembro.
FIM
Fonte: ACNUDH – Comunicações
* As e os especialistas: Emily Tendayi Achiume, Relatora Especial sobre as formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia y formas correlatas de intolerancia; Dominique Day, Presidenta do Grupo de Trabalho de Especialistas sobre pessoas Afrodescendentes; Irene Khan, Relatora Especial sobre a promoção e proteção do direito a liberdade de opinião e expressão; Victor Madrigal-Borloz, Especialista Independente sobre a proteção contra a violência e a discriminação por motivos de orientação sexual ou identidade de gênero; Reem Alsalem, Relatora Especial sobre a violência contra a mulher, suas causas e consequências; Melissa Upreti, Presidenta do Grupo de Trabalho sobre a discriminação contra as mulheres e meninas.
As Relatorias Especiais e Grupos de Trabalho formam parte do que se conhece como Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos. Procedimentos Especiais, o maior organismo de especialistas independentes no sistema de Direitos Humanos da ONU, é o nome geral dado aos mecanismos independentes de investigação e monitoramento do Conselho que abordam as situações específicas dos países ou questões temáticas em todas partes do mundo. As e os especialistas dos procedimentos especiais trabalham de forma voluntária; não são parte do pessoal da ONU e não recebem um salário por seu trabalho. São independentes de qualquer governo ou organização e servem a título individual.
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