GENEBRA – A Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay, expressou nesta quarta-feira (25/4) profunda preocupação pelas medidas atuais ou recentes em vários países, que restringem a liberdade das organizações não-governamentais (ONG) e outros atores da sociedade civil para funcionar de forma independente e eficaz.
No Egito, um projeto de lei sobre regulação das ONG “se for aprovado em sua forma atual, irá socavar gravemente o espírito da revolução do Egito, onde a sociedade civil teve uma participação muito importante”, falou Pillay. “Esse projeto entrega muito poder ao Governo para regulamentar, controlar e restringir o trabalho das organizações da sociedade civil”.
A Alta Comissária chamou as autoridades egípcias para retirarem o projeto de lei, que descreveu como “um golpe potencialmente grave para as aspirações de direitos humanos e liberdades fundamentais pelas que tantos egípcios e egípcias lutaram durante tanto tempo e pagando um alto custo”.
Pillay comentou que a liberdade de associação está sob pressão crescente em muitos países no mundo inteiro. “A liberdade de associação é o elemento vital das ONG”, disse. “Tentativas sistêmicas, legais ou administrativas para restringir as suas atividades podem ser muito nocivas”.
A Alta Comissária citou leis, recentes ou em projeto, e outras medidas em vários países que em diversos graus impõem restrições à liberdade de associação indicando, por exemplo, que em fevereiro autoridades provinciais no Zimbábue ordenaram a suspensão das atividades de 29 ONG.
Também se referiu a um projeto de lei na Camboja que permite ao Executivo o encerramento de algumas ONGs se é considerado que as suas atividades “danam a unidade nacional, a cultura, costumes e tradições da sociedade cambojana”. Segundo o projeto, não seria possível recorrer contra uma decisão como essa. Porém, Pillay acolheu com satisfação o compromisso do Governo da Camboja de submeter o projeto a consulta e revisão.
Na Argélia, uma nova lei estabelece que os objetivos das atividades das associações “não devem contravir os “valores nacionais”. Caso algumas associações não cumpram com essa disposição, pedidos de registro poderiam ser rejeitados ou se for decidido que “interferem nos assuntos internos”, as organizações podem ser suspendidas ou dissolvidas.
“A sociedade civil –incluindo ONG, sindicatos, defensores dos direitos humanos, acadêmicos, jornalistas, blogueiros e outros- tem um papel absolutamente crucial para garantir que os direitos humanos estejam protegidos em nível individual”, disse a Alta Comissária. “Uma sociedade civil dinâmica e autônoma, capaz de funcionar livremente, é um dos controles e equilíbrios fundamentais necessários para a construção de uma sociedade saudável, e uma das principais pontes entre os governos e os seus povos. Por isso é crucial que as ONGs sejam capazes de funcionar corretamente, tanto nos países em transição quanto em democracias estabelecidas”.
“Os atores da sociedade civil ajudam as pessoas a se mobilizarem e fazerem parte das decisões que afetam as vidas deles. É por isso que as Nações Unidas levam tanto em conta as suas contribuições, tanto na formulação de políticas como nas operações no terreno”, disse Pillay. “Se a sua contribuição é fraca ou limitada, as necessidades das pessoas comuns são simplesmente postergadas, e principalmente as necessidades das pessoas mais discriminadas na sociedade”.
Pillay se mostrou alarmada pelas tentativas recentes ou em curso em vários países para reforçar o controle sobre ONG por meio da restrição das suas fontes de financiamento, principalmente o financiamento estrangeiro, do que muitas e muito eficientes organizações da sociedade civil dependem em grande medida.
Na Etiópia, várias organizações de direitos humanos foram obrigadas a fechar os seus escritórios por conta de uma lei de 2009 que proíbe as associações de receberem mais de 10 por cento dos seus recursos totais desde o estrangeiro.
Em Belarus, uma emenda ao Código Penal foi aprovada em outubro de 2011 pelo Congresso, estabelecendo responsabilidades penais por receber subvenções desde o estrangeiro ou que violam a legislação nacional. Isto irá limitar substancialmente as operações das ONG. Além do mais, várias outras emendas foram introduzidas em pelo menos oito textos normativos mais, que poderiam restringir o funcionamento das organizações da sociedade civil.
Em Israel, a recém-aprovada Lei de Financiamento Estrangeiro poderia ter um impacto importante nas organizações de direitos humanos por conta dos rigorosos requerimentos de informação, como declarar a ajuda financeira estrangeira em todas as comunicações públicas, e estabelecendo fortes sanciones no caso de não cumprimento.
Na Venezuela, em janeiro de 2012, uma nova Lei Orgânica contra Terrorismo e Crime Organizado foi aprovada pelo Congresso, mas ainda não foi promulgada pelo Presidente. A lei estabelece uma definição ampla de “atos terroristas” que pode ser aplicável aos atos legítimos de protesto social ou dissidência. Também coloca as organizações não-governamentais sob vigilância permanente de um órgão do Estado e impõe restrições ao financiamento estrangeiro.
No Egito, a adoção de medidas drásticas por parte das autoridades contra organizações da sociedade civil financiadas desde o estrangeiro, além da estigmatização dos ativistas egípcios, levaram a um aumento das campanhas de difamação, as ameaças e intimidações contra os ativistas.
“As mulheres ativistas em vários países são particularmente vulneráveis a campanhas de desprestígio, que com frequência são planejadas deliberadamente para deixá-las fora da ação”, disse Pillay. “Eu acho particularmente triste a situação no norte da África e países do Médio Oriente, onde as mulheres tiveram um papel tão importante e valente, junto dos homens, em derrocar ou desafiar os seus governantes repressivos. É essencial que estes países, na elaboração de novas leis e instituições, não considerem um gênero só, nem que apenas um dos gêneros participe plenamente no processo de transição. As agressões verbais e físicas contra mulheres da sociedade civil é um dos primeiros sinais de que o processo de reforma está começando a estragar-se.
“As ONG devem ser capazes de funcionar sem a interferência do Poder Executivo”, disse a chefa de Direitos Humanos da ONU. “Elas devem ser consultadas e incluídas nas decisões políticas, principalmente quando um Estado está vivendo grandes transformações ou processos de transição. E não devem ser punidas por criticarem ou questionarem as políticas e os processos do Estado. Os governos devem entender que a colaboração com a sociedade civil não é sinal de debilidade, mas a maneira de construir uma sociedade melhor, mais inclusiva – algo que todos os governos devem tentar fazer e que não podem conseguir sozinhos.
Pillay também comentou que a liberdade de associação está consagrada em vários instrumentos internacionais de direitos humanos, incluindo a Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 20) e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (artigo 22), que é um tratado vinculante que já foi ratificado por 167 Estados, incluindo todos os mencionados anteriormente.
“Felizmente, em muitos países – incluindo algumas democracias emergentes- a sociedade civil pode funcionar no máximo das suas capacidades como parte de um esforço de colaboração com as instituições governamentais e internacionais, como a minha própria. Na Tunísia, por exemplo, o escritório de Direitos Humanos da ONU está em condições não apenas de estabelecer uma presença pela primeira vez na sua história, mas também construir uma relação estreita e dinâmica com o Governo e o florescente sector da sociedade civil no país” assinalou Pillay.
“Tensões ocasionais são normais na relação entre organizações da sociedade civil e autoridades, mas isto não deve necessariamente se transformar em desconfiança, antagonismo ou pura e simples repressão por parte das autoridades”, expressou a Alta Comissária. “No longo prazo, nada se ganha e muito se perde quando os Estados tentam reprimir a sociedade civil”.