Editorial de: Amerigo Incalcaterra
Representante Regional para América do Sul
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
A tortura e os maus-tratos acontecem com frequência em locais de detenção isolados, onde aqueles que praticam a tortura acreditam estar fora do alcance de uma supervisão ou prestação de contas eficazes. Se a isso somarmos os grandes obstáculos que geralmente as pessoas privadas de liberdade enfrentam para denunciar os atos de tortura, principalmente por temor a retaliações, é claro que uma forma idônea de quebrar o círculo vicioso da impunidade é submeter os locais de detenção ao escrutínio público.
A comunidade internacional já condenou a tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes na Declaração Universal dos Direitos Humanos, por ser um dos atos mais execráveis cometidos por seres humanos contra seus semelhantes. Logo após, foi adotada uma convenção internacional que proíbe absolutamente a tortura sob qualquer circunstância. Também foi nomeado um Relator Especial sobre a questão da tortura e outros tratamentos e/ou penas cruéis, desumanas ou degradantes, com o mandato de assessorar os países no cumprimento de suas obrigações no assunto.
Apesar dos esforços feitos tanto em nível internacional quanto ao interior dos Estados para eliminar essa prática, a tortura continua fortemente enraizada nas práticas institucionais de muitos lugares de privação de liberdade. Além disso, aparecem esforços por legitimar a tortura na luta contra o terrorismo e o crime organizado, argumentando que é preciso agir com mão de ferro para acabar com eles. Porém, a experiência mostra que a tortura não contribui a eliminar nem um nem outro.
A comunidade internacional e os Estados contam, desde 2001, com mais uma ferramenta legal. Trata-se do Protocolo Facultativo da Convenção contra a Tortura, que contempla dois instrumentos concretos: a criação de um Subcomitê Internacional para a Prevenção da Tortura e o estabelecimento, em nível nacional, de um ou mais mecanismos independentes para a prevenção da tortura.
A missão desses mecanismos nacionais é adotar um sistema de visitas periódicas aos centros de privação de liberdade para prevenir e fortalecer a prevenção da tortura, além de oferecer as recomendações necessárias para melhorar o tratamento e as condições de vida das pessoas privadas de liberdade, muitas vezes comparáveis à tortura.
Para implementar esse mecanismo nacional de prevenção, é fundamental uma forte vontade política dos governantes e congressos para transformar o compromisso normativo em fatos concretos, principalmente quando se trata de práticas arraigadas em instituições como a polícia, os sistemas penitenciários e outros centros de privação de liberdade.
Embora os Estados-partes do Protocolo Facultativo se comprometam a estabelecer mecanismos nacionais de prevenção da tortura, dos seis países abrangidos pelo Escritório Regional para América do Sul da Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos (Argentina, Brasil, Chile, Peru, Uruguai e Venezuela), nenhum formou ainda um mecanismo de prevenção conforme o Protocolo Facultativo, embora existam projetos de lei há vários anos em alguns países. No entanto, é positiva a criação de Comitês Estaduais de Prevenção e Combate à Tortura em Rio de Janeiro e Alagoas, no Brasil, bem como na Província de Chaco, na Argentina.
Acabar com a tortura é a reclamação das vítimas e o que exigem hoje a sociedade e a comunidade humana em conjunto. Para isso, é preciso chegar até onde os torturadores exercem sua profissão.
Amerigo Incalcaterra
Representante Regional para América do Sul
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
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Fotografía: Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do Estado de Rio de Janeiro (SEASDH-RJ)