“Livres & Iguais” é uma campanha inédita e global das Nações Unidas para promover a igualdade de direitos para lésbicas, gays, bissexuais e pessoas trans (LGBT). Projeto do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, “Livres & Iguais” pretende aumentar a conscientização sobre a violência e a discriminação homofóbica e transfóbica e promover um maior respeito pelos direitos das pessoas LGBT, em todos os lugares do mundo.
Declaração das Nações Unidas no Brasil
por ocasião do Dia Nacional da Visibilidade Trans
29 de janeiro de 2015
Hoje, no Brasil, é celebrado o Dia Nacional da Visibilidade Trans. A celebração desta data tem o intuito de alertar a sociedade brasileira para a discriminação e violência a que são submetidos os homens e mulheres trans e chamar a atenção para a necessidade de propor medidas que assegurem a proteção e a garantia dos direitos humanos das pessoas trans.
Em todas as regiões do mundo há relatos de discriminação e outros tipos de violência contra a população trans. Desde 2011, a partir do Conselho de Direitos Humanos, as Nações Unidas têm produzido relatórios sobre legislação e práticas discriminatórias baseadas na orientação sexual e identidade de gênero de indivíduos. E um estudo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização de Estados Americanos (OEA)*, divulgado em dezembro de 2014, apontou o Brasil como o país líder no continente em número de mortes violentas de pessoas trans (ou percebidas como tais): apenas entre janeiro de 2013 e março de 2014, o Brasil registrou 140 casos, seguido do México (40), Venezuela (18), e Colômbia (17). Ser uma pessoa trans, portanto, é correr o iminente risco de ser assassinada, violentada, privada de sua liberdade e dos serviços básicos prestados à população.
As pessoas trans não sofrem apenas por conta da especial violência exercida contra elas, mas são uma população vulnerável em múltiplas dimensões. Por exemplo, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) estima que, mundialmente, as pessoas trans tenham 49 vezes mais chances de adquirir o HIV que a população adulta em geral. Atualmente, 19% delas vivem com o vírus em todo o mundo. Apesar da falta de dados recentes sobre a prevalência do HIV nesta população no Brasil, estima-se que o quadro não seja muito diferente do que tem sido visto no mundo e na América Latina.
E embora existam alguns dados que apontam a constante violência e discriminação exercida contra a população trans, eles são subestimados. A ausência da categoria de pessoa trans na grande maioria dos bancos de dados de estatísticas oficiais gera a invisibilização dessa população, dificultando a elaboração de políticas públicas adequadas às suas demandas e realidade.
No âmbito das Nações Unidas, os mecanismos e procedimentos de direitos humanos têm reiterado que o fato de uma pessoa ser lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual ou intersex não limita o exercício dos seus direitos fundamentais. Isso porque em 1948, quando os estados-membros das Nações Unidas adotaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, eles não fizeram distinção em termos de garantia de direitos em razão de qualquer individualidade. Para o artigo 1º da Declaração, “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Esse artigo inspirou o lançamento de uma campanha em prol da igualdade e não-discriminação: a campanha de informação pública da ONU “Livres e Iguais”, que pretende aumentar a conscientização sobre a violência e a discriminação homofóbica e transfóbica e promover um maior respeito pelos direitos das pessoas LGBT em todo o mundo. A realização deste postulado, no entanto, tem desafiado governos e a sociedade em geral. Nesse sentido, as agências das Nações Unidas no Brasil têm se empenhado para colocar em prática diversas ações para promoção e garantia de pessoas LGBT.
O Brasil tem demonstrado vários avanços para garantir o acesso de pessoas trans aos direitos fundamentais tais como saúde, educação, trabalho e moradia. Além disso, e juntamente com outros países da América do Sul, o Brasil liderou em 2014o processo de adoção no Conselho de Direitos Humanos da ONU de uma resolução sobre orientação sexual e identidade de gênero (A/HRC/27/L.27/Rev.1), como uma demonstração do seu compromisso com o respeito pelos direitos das pessoas LGBTI perante a comunidade internacional.
Entretanto, esses avanços ainda são insuficientes para romper com o ciclo de violência e exclusão que persistem para essa população. De acordo com pesquisa do Perfil dos Municípios Brasileiros de 2012 que recolhe dados das 5.565 cidades no país, 99 municípios (1,8%) desenvolviam em 2011 programas acerca do reconhecimento de direitos fundamentais; 79 cidades brasileiras aprovaram medidas anti-homofobia; e 54 (1%) atuam sobre o reconhecimento do nome social adotado por travestis e transexuais**. Por isso, nesta data, parabenizamos as iniciativas de projeto de lei e políticas públicas que buscam garantir os direitos da população trans. Também reiteramos nosso compromisso em apoiar o Brasil nesta importante tarefa e colocamo-nos à disposição para trabalhar juntos para atingir este objetivo.
Nesta data, gostariamos ainda de reconhecer o valioso trabalho realizado pelas lideranças travestis e transexuais do Brasil, pelo seu protagonismo e defesa incessante dos direitos da população trans, tanto no Brasil como nos fóruns internacionais, expressando suas realidades e legítimas demandas e auxiliando a construirmos uma sociedade mais justa e igualitária.
Nota:
Segundo os Princípios de Yogyakarta (2006), entende-se como:
– “orientação sexual” a “capacidade de cada pessoa de experimentar uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como de ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas”
– “identidade de gênero” a “experiência interna, individual e profundamente sentida que cada pessoa tem em relação ao gênero, que pode, ou não, corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo-se aí o sentimento pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive o modo de vestir-se, o modo de falar e maneirismos” (Princípios de Yogyakarta, 2006).
*Fonte: Registro de violência contra as personas LGBTI na América – Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA: http://www.oas.org/es/cidh/lgtbi/docs/Registro-Violencia-LGBTI.xlsx
**Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Pesquisa de Informações Básicas Municipais 2009/2011. Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Perfil_Municipios/2011/munic2011.pdf