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ENTREVISTA | Jan Jarab falou com o Jornal O Globo sobre direitos humanos no Brasil

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3 de junho de 2025 – O Representante da ONU Direitos Humanos para América del Sur, Jan Jarab, deu uma entrevista para o jornal “O Globo”, onde aprofundou sobre sua recente visita ao Brasil e destacou alguns assuntos prioritários para a pauta de direitos humanos no país.

Entrevista: representante da ONU diz que afrouxar licenciamento é ‘retrocesso’ e critica tratamento a Marina no Senado

Jan Jarab definiu a ação de senadores contra a ministra como ‘inaceitável’

Por Ivan Martínez-Vargas — Brasília 03/06/2025 03h30

Representante da Organização das Nações Unidas (ONU) para Direitos Humanos na América do Sul, o tcheco Jan Jarab critica o projeto de lei que afrouxa as regras do licenciamento ambiental, aprovado pelo Senado e atualmente em tramitação na Câmara. Em entrevista ao GLOBO, ele avalia que o texto representaria um retrocesso e que agravaria a situação de vulnerabilidade de populações como os povos indígenas e os quilombolas.

O alto-comissariado da ONU subscreve a carta enviada por três relatorias especiais e grupos de trabalho das Nações Unidas ao governo brasileiro, que expressa preocupação com os impactos sociais e ambientais do projeto. Jarab também afirma que a hostilidade sofrida pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado na semana passada “foi uma forma de tratamento que não deve ser aceita” em um ambiente democrático.

Qual a sua posição sobre o projeto de lei que afrouxa regras do licenciamento ambiental, que já passou no Senado?

O escritório se identifica plenamente com a carta sobre esse projeto de lei assinada por membros de dois grupos de trabalho e três relatorias especiais da ONU sobre direitos humanos, meio ambiente, mudanças climáticas e direito à água e ao saneamento. O texto é um retrocesso. Para nós, sempre é importante quando esses mecanismos internacionais se pronunciam porque são independentes, formados por especialistas que estabelecem a interpretação das obrigações dos Estados conforme os tratados internacionais.

Quais são os pontos críticos do projeto?

O que se propõe é voltar atrás no cuidado dos direitos humanos e do meio ambiente. Há um reconhecimento crescente do vínculo entre direitos humanos e meio ambiente e, como está hoje, o texto vai permitir várias categorias de projetos em que bastaria simplesmente uma autodeclaração para se obter o licenciamento ambiental. Espero que isso não seja aprovado. Mas, se for, significará um grande retrocesso. Seria praticamente eliminar as salvaguardas para a proteção do meio ambiente. Sabemos que, no Brasil, muitas vezes as populações mais vulneráveis, como quilombolas e os povos indígenas, já estão em situação de profunda desigualdade, e sofrerão impactos em seus territórios, com conflitos com fazendeiros, empresários ou grupos com muito poder econômico. O projeto também reduz a participação de instituições do Estado, especialmente da Funai, que protege os direitos da população indígena.

Há diálogo com o Legislativo sobre essa agenda do licenciamento ambiental?

Não foi prevista uma reunião com os legisladores sobre isso, mas estive com representantes da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, e esse assunto foi tocado, junto com outros da nossa cooperação de longo prazo. A importância do tema aumentou com o pronunciamento dos mecanismos internacionais e também com a forma como foi tratada a ministra Marina Silva no Congresso. Tudo isso nos deu um forte impulso para contribuir com as discussões sob o aspecto dos direitos humanos.

Como o senhor viu a questão da hostilidade à ministra Marina Silva no Congresso?

Foi uma forma de tratamento que não deve ser aceita, não deve acontecer em um ambiente democrático.

Como o escritório tem se posicionado nos debates sobre o marco temporal?

Nos posicionamos contrariamente à tese do marco temporal (de que povos indígenas só poderiam reivindicar terras ocupadas ou em disputa até a promulgação da Constituição de 1988). Aplaudimos a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de rejeitar o marco temporal em 2023 e nos preocupa a situação atual, que é de um certo limbo. O STF ainda não se pronunciou sobre como resolver o caso. Há uma mesa de conciliação cujos resultados ainda são muito incertos. Essa incerteza favorece tensões e conflitos nos territórios indígenas, contribuindo para violência contra os indígenas. O STF também afirma que o estado das prisões brasileiras é inconstitucional.

Como o senhor avalia a questão da política carcerária no país?

É um dos problemas crônicos do Brasil, junto com a letalidade policial e o uso excessivo da força. As prisões muitas vezes não estão de acordo com padrões internacionais e atentam contra a dignidade humana. Parte do problema está na distribuição de competências, as prisões são responsabilidade dos estados. Mas tanto a letalidade policial quanto a situação das prisões são também problemas culturais. Durante décadas, diferentes governos normalizaram uma visão punitiva da criminalidade. O Brasil tem um índice de esclarecimento de homicídios muito baixo, mas, em vez de investir no fortalecimento das investigações, muitas vezes se permite que as polícias façam uma espécie de justiça própria. Desde o século passado há filmes sobre as prisões brasileiras, é um problema conhecido. A ideia de que “isso é o que os delinquentes merecem” permanece. Não há uma reflexão ampla sobre que tipo de prisão pode contribuir para a segurança pública. Vamos analisar exemplos: países europeus que reduziram a taxa de homicídios de 2 a 3 para 0,5 por 100 mil. Como chegaram a isso? Com prisões brutais? Não. Com prisões que promovem reabilitação social.

A desmilitarização das PMs é uma medida possível para baixar a letalidade policial?

A militarização é criticada por vários mecanismos da ONU. A lógica da guerra em tempos de paz não é uma boa abordagem. Mas não quero generalizar: policiais civis também cometem violações.

A política de câmeras corporais nas polícias militares estaduais é eficaz?

Sim, vejo com bons olhos o uso obrigatório das câmeras. Temos exemplos internacionais de que isso reduz abusos. Em São Paulo, após a introdução, os abusos e homicídios caíram. É uma política que protege direitos humanos e melhora índices de segurança. As imagens podem proteger tanto cidadãos quanto policiais.

Apesar disso, há casos arquivados mesmo com evidências em vídeo de abuso.

Sim, isso foi registrado por organizações de direitos humanos. A impunidade é grave. Incentiva a repetição de abusos. Se agentes acham que não haverá consequências, cria-se uma lógica perversa. E isso não nega que o trabalho policial em áreas marginais é difícil.

O governo federal apresentou a PEC da Segurança Pública. A proposta é positiva?

Ainda não analisamos a PEC, mas aumentar a coerência nacional parece positivo. Deve haver uma política nacional de segurança que respeite os compromissos do país com os direitos humanos. O Brasil responde pelo cumprimento dos tratados, e não um estado subnacional. O senhor participou de um seminário no STF sobre novas tecnologias e direitos humanos.

Alguns especialistas apontam riscos na concentração das big techs. Qual sua visão?

A comunidade de direitos humanos ainda está aprendendo. Há benefícios e riscos. É preciso calibrar a legislação de forma participativa. Não pode ser uma discussão só com as big techs. A concentração de poder nelas é desproporcional. Precisamos evitar barreiras de entrada e garantir inovação.

Também há riscos ambientais com a IA. Os marcos nacionais são suficientes?

Ainda discutimos com dificuldade os marcos nacionais. Há discussões internacionais, mas não são simples. O tema é multidimensional: há impacto ambiental, discriminação digital, discursos de ódio.

Fonte: Jornal O Globo

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