Declaração conjunta para o desenvolvimento de uma resposta regional à chegada massiva de pessoas migrantes e refugiadas venezuelanas aos países do continente americano da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e Comitês, Órgaos e Procedimentos Especiais da Organização das Nações Unidas
5 de setembro de 2018
Washington D.C./Genebra – Por ocasião das reuniões e medidas que estão promovendo os Estados do continente americano para responder à chegada massiva de pessoas migrantes e refugiadas venezuelanas, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH); o Comitê de Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e de seus Familiares (CMW) da ONU; o Comitê sobre os Direitos das Crianças (CRC) da ONU; o Escritório Regional para a América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH); o Dr. Felipe González, Relator Especial sobre os Direitos Humanos dos Migrantes da ONU adotam a seguinte declaração conjunta.
As organizações e peritos signatários da presente declaração invocam os Estados, junto com outros atores relevantes, tais como o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), a Organização Internacional para as Migrações (OIM), as organizações da sociedade civil, a academia e os meios de comunicação a desenvolver uma resposta regional coordenada, baseada nos direitos humanos e no princípio da responsabilidade compartilhada, para responder antes, durante e depois em relação ao deslocamento massivo de migrantes e refugiados venezuelanos.
De acordo com as cifras da Organização das Nações Unidas, em junho de 2018, estimava-se que 2.3 milhões de venezuelanos saíram de seu país, principalmente com destino à Colombia, Equador, Peru, Brasil e Chile. Ademais, em 1 de agosto de 2018, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) registrou 299,016 solicitantes de asilo e 585,996 pessoas procedentes da Venezuela que optaram por outras alternativas de regularização. Diante desta situação, a CIDH e os peritos e peritas do Sistema ONU entendem que os países do continente americano têm respondido à situação, oferecendo distintas alternativas migratórias com vistas a garantir os direitos humanos das pessoas venezuelanas, bem como através do reconhecimento da condição de refugiados pela definição da Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e pela definição ampliada contida na Declaração de Cartegena de 1984.
No entanto, a CIDH, o CMW, o CRC, o ACNUDH e os peritos e peritas do Sistema ONU também expressam sua preocupação diante das práticas discriminatórias observadas nos últimos meses na região, tais como: solicitação de passaportes, certificados, legalizações/reconhecimento de firma, e outros documentos oficiais para a entrada em seus territórios; a militarização das fronteiras; casos de deportações arbitrárias e expulsões coletivas; e ações de discriminação e violência de caráter xenofóbico contra a população venezuelana nas localidades receptoras desta população.
A esse respeito, os signatários desta declaração conjunta observam que os Estados americanos e a Organização dos Estados Americanos (OEA) estão promovendo várias reuniões e espaços para desenvolver respostas ante a chegada massiva de migrantes e refugiados venezuelanos aos paises do continente americano, entre as quais: a Reunião do Conselho Andino de Autoridades Migratórias da Colômbia, Equador e Peru, no dia 29 de agosto de 2018; a Reunião Técnica Regional sobre Mobilidade Humana dos Cidadãos Venezuelanos nas Américas, realizada em Quito, Equador, em 3 e 4 de setembro de 2018; a Sessão extraordinária convocada pelo Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos para o dia 5 de setembro de 2018 com o objetivo de considerar a situação dos migrantes venezuelanos nos países da região. Os signatários desta declaração conjunta reconhecem a recente Declaração de Quito sobre a Mobilidade Humana dos cidadãos venezuelanos na Região, adotada em Quito em 4 de setembro de 2018 como um avanço para o desenvolvimento de uma resposta regional.
As organizações signatárias da presente declaração conjunta, considerando a Resolução 2/2018 sobre Migração Forçada de Pessoas Venezuelanas da CIDH e a Nota de Orientação sobre o Fluxo de Venezuelanos do ACNUR, recomendam aos Estados do continente americano a adoção de uma resposta internacional e regional coordenada, baseada nos direitos humanos e no princípio da responsabilidade compartilhada, que incorpore as seguintes medidas:
1. Para prevenir que mais pessoas venezuelanas se vejam forçadas a migrar, promover ações para que o Estado venezuelano garanta o acesso, a prestação e a livre passagem de assistência humanitária para a população venezuelana que dela necessita, a qual deve ocorrer em conformidade com os princípios de humanidade e imparcialidade, sem discriminação alguma.
2. Garantir o ingresso das pessoas venezuelanas ao território para que possam buscar proteção internacional ou satisfazer suas necessidades humanitárias urgentes, assim como garantir o princípio da unidade familiar.
3. Expandir canais regulares, seguros e acessíveis de migração através da progressiva expansão da liberação de vistos, assim como regimes de facilitação de vistos de fácil acesso e/ou medidas tais como: proteção complementar, proteção temporária, vistos humanitários, vistos para visitantes, reunificação familiar, vistos de trabalho, residência, e vistos para estudantes e para aposentados, asim como programas de patrocínio privado. Esses canais devem ser acessíveis em termos econômicos e jurídicos, o que inclui assegurar que também sejam acessíveis para as pessoas venezuelanas que, por razões alheias à sua vontade, não contam com a documentação normalmente exigida para esses trâmites.
4. Garantir o reconhecimento da condição de refugiado às pessoas venezuelanas com fundado temor de perseguição em caso de retorno à Venezuelana, ou que consideram que sua vida, integridade ou liberdade pessoal estariam ameaçadas devido à situação de violência, violações massivas de direitos humanos e pertubações graves da ordem pública, nos termos da Declaração de Cartagena sobre Refugiados de 1984. Devem ser estabelecidos procedimentos justos e eficazes, com enfoques que levem em conta a idade, o gênero e as características culturais, que garantam o direito dos solicitantes de asilo de receber assistência para satisfazer suas necessidades básicas ou para lhes permitir trabalhar durtante o trâmite de sua solicitação.
5. Considerar a adoção de respostas coletivas de proteção às pessoas venezuelanas, entre as quais se encontram a possibilidade de realizar a determinação para o reconhecimento da condição de refugiado prima facie ou de maneira grupal, sem necessidade de realizar uma avaliação individualizada.
6. Respeitar o princípio e direito de não devolução (non-refoulement) ao território venezuelano, incluindo a proibição de rechaço na fronteira e de expulsões coletivas.
7. Implementar mecanismos que permitam identificar as pessoas que requeiram proteção internacional e necessidades especiais de proteção, em especial mulheres, crianças, povos indígenas e afrodescendentes.
8. Proteger e ofertar assistência humanitária às pessoas venezuelanas que se encontrem no âmbito de sua jurisdição. Ademais, deve-se coordenar esforços com organismos internacionais como o ACNUR, OIM, UNICEF, ONU Mulheres, o Programa Mundial de Alimentos (PMA), a Organização Panamericana da Saúde (OPS-OMS), bem como outras organizações internacionais e regionais relevantes, as instituições nacionais de direitos humanos e as organizações da sociedade civil. Devem ser garantidas condições para que esses organismos possam ofertar assistência humanitária às pessoas venezuelanas.
9. Garantir o apoio internacional e a responsabilidade compartilhada no resgate, recepção e alojamento das pessoas venezuelanas. Nesse sentido, os Estados devem estabelecer mecanismos para fortalecer e coordenar operações de busca e resgate, investigação e protocolos forenses, tratamento digno dos restos mortais dos falecidos, identificação e localização de famílias mediante o intercâmbio seguro de informação ante mortem, post mortem e DNA.
10. Garantir o direito à nacionalidade. Para isso, é fundamental garantir e facilitar o registro de todos os nascimentos, de maneira oportuna ou tardia, e assegurar o acesso à nacionalidade. Além disso, deve-se garantir a existência de procedimentos para a determinação da condição de apatridia e garantir a outorga da documentação que comprove a nacionalidade.
11. Implementar uma estratégia coordenada, baseada na responsabilidade compartilhada e em uma abordagem fundada nos direitos humanos. Fortalecer a assistência técnica e financeira aos principais países e localidades receptoras de migrantes, bem como assegurar e facilitar a livre passagem da assistência humanitária e permitir um acesso rápido e sem obstáculos às pessoas que prestam esta assistência.
12. Não criminalizar a migração, abstendo-se de medidas tais como: fechamento de fronteiras, imposição de penas ou sanções em razão do ingresso ou da permanência irregular, necessidade de apresentação de um passaporte, detenção migratória, deportações arbitrárias, discursos de ódio e a criminalização daqueles que prestam ajuda e assistência humanitária.
13. Para prevenir a discriminação e a xenofobia contra as pessoas venezuelanas, os Estados devem implementar medidas positivas como campanhas educativas e de sensibilização dirigidas a promover sociedades multiculturais e a lutar contra a discriminação e a xenofobia.
14. Garantir o acesso igualitário à justiça em condições justas, efetivas e acessíveis, incluindo a justiça transfronteiriça em caso de violações a direitos humanos. É fundamental investigar todos os casos de mortes e desaparecimentos, assim como restos mortais de pessoas migrantes em covas comuns, com a cooperação das autoridades de todos os Estados envolvidos. Deve ser garantida a reparação integral por qualquer dano causado.
15. Dar uma resposta coordenada e integrada para a prevenção, atenção e reparação integral das vítimas do tráfico de pessoas, bem como investigar, processar e sancionar este delito.
16. Adotar medidas dirigidas a promover a integração social e a resiliência das pessoas venezuelanas, em especial através da garantia do direito à não discriminação e dos direitos econômicos, sociais e culturais, incluindo o acesso ao trabalho, à educação e à seguridade social.
17. Autorizar e fornecer as facilidades necessárias para que os organismos internacionais e regionais em matéria de direitos humanos possam realizar visitas aos Estados do continente americano.
No marco de seus mandatos de promoção e proteção dos direitos humanos, as organizações e peritos signatários da presente declaração conjunta reafirmam sua disposição para fornecer assistência técnica e contribuir para o fortalecimento das capacidades das autoridades dos Estados do continente americano.
No. 197/18
*Também disponível no site da CIDH: http://www.oas.org/pt/cidh/prensa/notas/2018/197.asp
Neste ano, celebra-se o 70° aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU no dia 10 de dezembro de 1948. A Declaração Universal – traduzida para 500 idiomas – baseia-se no princípio de que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.” Ela permanece relevante para todos, todos os dias. Em homenagem ao 70° aniversário desse documento seminal e para evitar que seus princípios vitais sejam ofendidos, estamos instando pessoas de todos os lugares a levantarem-se pelos direitos humanos: www.standup4humanrights.org.
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