24 de fevereiro de 2025 – Discurso proferido pelo Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, na 58ª sessão do Conselho de Direitos Humanos em Genebra.
Senhor Presidente,
Excelências,
Distintas delegadas, distintos delegados,
O sistema internacional está passando por movimentos tectônicos, e a estrutura de direitos humanos que construímos com tanto esforço ao longo de décadas nunca esteve sob tanta pressão.
Hoje, marcamos o terceiro aniversário da invasão em larga escala russa na Ucrânia – em um momento de aumento das baixas civis, destruição contínua e indiscriminada de áreas urbanas e especulação sobre a trajetória da guerra.
Qualquer paz sustentável deve estar ancorada nos direitos, necessidades e aspirações do povo ucraniano, na responsabilização e nos princípios da Carta das Nações Unidas e do direito internacional.
As decisões feitas hoje – se promovem justiça ou impunidade – moldarão o que virá.
Em Israel e no território ocupado da Palestina, onde o sofrimento tem sido insuportável, repito meu apelo por uma investigação independente das graves violações do direito internacional, cometidas por Israel em seus ataques em Gaza, e pelo Hamas e outros grupos armados palestinos.
Qualquer solução sustentável deve ser baseada na responsabilização, justiça, direito à autodeterminação, bem como nos direitos humanos e dignidade de israelenses e palestinos. Qualquer sugestão de forçar pessoas a deixarem suas terras é totalmente inaceitável.
Senhor Presidente, Excelências,
Além da Ucrânia e de Gaza, conflitos e crises estão dilacerando comunidades e sociedades, do Sudão à República Democrática do Congo, Haiti, Mianmar e Afeganistão.
As tensões sociais aumentam à medida que desigualdades e injustiças geram ressentimento, muitas vezes direcionado a refugiados, migrantes e outras pessoas mais vulneráveis.
De forma perversa, o um por cento mais rico controla mais riqueza do que a maioria da humanidade.
A crise climática é uma catástrofe de direitos humanos, destruindo vidas e meios de subsistência. Seus impactos em cascata, na segurança alimentar, migração, saúde, energia e água, ameaçam os direitos humanos agora e para as futuras gerações, especialmente para mulheres e meninas.
Enquanto isso, tecnologias digitais são amplamente mal utilizadas para suprimir, limitar e violar nossos direitos através de vigilância, ódio, desinformação, assédio e discriminação.
A Inteligência Artificial traz uma nova velocidade e escala a essas ameaças.
A fragmentação das plataformas de redes sociais em canais de auto-seleção que servem o seu público contribui para o isolamento dos indivíduos.
E, em alguns setores, os direitos humanos estão sendo evitados, vilipendiados e distorcidos.
Este é o cenário contra o qual meu Escritório e o ecossistema mais amplo de direitos humanos, incluindo este Conselho, estão trabalhando para promover e salvaguardar os direitos de todos, em todos os lugares.
No ano passado, por exemplo, meu Escritório contribuiu para a libertação de mais de 3.000 pessoas detidas arbitrariamente. Participamos de cerca de 11.000 missões de monitoramento de direitos humanos; observamos quase 1.000 julgamentos e documentamos cerca de 15.000 situações de violações de direitos humanos em todo o mundo.
Além das intervenções diárias com os governos, emitimos cerca de 245 declarações, destacando as preocupações com os direitos humanos em cerca de 130 países.
Nossas equipes locais estão apoiando os países a melhorar suas leis, instituições e a adotar políticas sociais e econômicas que reforcem a coesão e combatam a injustiça.
Contribuímos com abordagens baseadas em direitos humanos para o desenvolvimento sustentável, tributação e gastos públicos, desde o Camboja até a Jordânia e a Sérvia.
O apoio ao meu Escritório é um investimento de baixo custo e alto impacto. Peço que façam um esforço extra para garantir que meu Escritório, suas próprias instituições nacionais de direitos humanos e as organizações não governamentais de direitos humanos possam continuar a realizar esse trabalho essencial.
Excelências,
Desde a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, apesar de retrocessos, fizemos um progresso constante. As liberdades se expandiram, principalmente para as comunidades oprimidas. Houve uma compreensão generalizada de que os direitos humanos são a base de uma governança eficaz, de políticas econômicas sólidas e da coesão social.
Hoje, não podemos mais entender esse entendimento básico e esse progresso como garantidos.
O consenso global sobre direitos humanos está desmoronando sob o peso de autoritários e oligarcas. Segundo algumas estimativas, os autocratas agora controlam cerca de um terço da economia mundial – mais do que o dobro de 30 anos atrás.
As lideranças citam segurança nacional e luta contra o terrorismo para justificar violações graves.
A hipocrisia, a duplicidade de padrões e a impunidade também tiveram um papel importante.
As potências regionais que são neutras ou hostis aos direitos humanos estão crescendo em influência.
Em todos os lugares, vemos tentativas de ignorar, minar e redefinir os direitos humanos; e de criar uma falsa binaridade que coloca um direito contra outro em um jogo de soma zero. Há esforços concentrados em reduzir a igualdade de gênero e os direitos de migrantes, refugiados, pessoas com deficiência e minorias de todos os tipos.
Mas os direitos humanos, desde o direito à alimentação e à moradia adequada até os direitos à saúde, à educação e à liberdade de expressão, são para todos.
Precisamos de um grande esforço de todas as pessoas para garantir que os direitos humanos e o estado de direito continuem sendo a base das comunidades, sociedades e relações internacionais.
Caso contrário, o cenário é muito perigoso.
Nos séculos anteriores, o uso irrestrito da força pelos poderosos, os ataques indiscriminados a civis, as transferências de população e o trabalho infantil eram comuns.
Ditadores podiam ordenar crimes atrozes que levavam grandes quantidades de pessoas à morte.
Fique atento: isso pode acontecer novamente.
Mas estamos longe de ser não termos o que fazer para impedir isso.
Nossas ferramentas são a Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos; o conjunto de leis internacionais; e as instituições que trabalham para implementá-las – incluindo este Conselho, meu Gabinete, tribunais e judiciários, sociedade civil, jornalistas independentes e defensores dos direitos humanos em todo o mundo.
Excelências, distintas delegadas e distintos delegados,
Hoje, precisamos de uma visão alternativa. Precisamos da política da sabedoria, baseada em fatos, na lei e na compaixão.
Em primeiro lugar, os direitos humanos são sobre os fatos.
É por isso que meu Escritório está monitorando, documentando e relatando violações e abusos em zonas de guerra e crises em todo o mundo.
Em minha Atualização Global na próxima semana darei detalhes. Além da Ucrânia e do território ocupado da Palestina, os exemplos incluem a República Democrática do Congo, Mianmar, Sudão e Síria, onde meu Escritório vem documentado abusos e soando o alarme há muitos anos.
Ou o Afeganistão, onde relatamos o impacto do apartheid de gênero sobre mulheres e meninas.
Ou o Haiti, onde minha equipe relatou o impacto devastador dos fluxos ilícitos de armas.
Nunca subestime o poder da clareza factual, legal e moral. Os fatos, por si só, podem e devem levar à ação. Quando sinais vermelhos aparecem, esses devem desencadear uma resposta imediata.
É por isso que o trabalho deste Conselho e de outros mecanismos de direitos humanos é tão importante.
Embora não possamos dizer exatamente quanta morte e sofrimento foram evitados por esses esforços, sabemos que eles fazem a diferença.
Em segundo lugar, os direitos humanos têm a ver com a lei, que é um freio ao poder, ao privilégio e ao lucro desenfreado. Algumas coisas não estão à venda.
Nossas estruturas e instituições jurídicas internacionais, inclusive o Tribunal Penal Internacional, são fundamentais para garantir a justiça e a responsabilização pelos crimes mais graves, prevenindo futuras violações e tornando o mundo mais seguro para todas as pessoas.
Igualmente importantes são instituições fortes em nível nacional, para proteger pessoas vulneráveis e permitir que todos participem mais plenamente da vida cultural, religiosa, social, econômica e pública.
É imperativo que defendamos essas instituições quando elas forem atacadas.
Excelências, ilustres delegadas e delegados,
Em suma, os direitos humanos não são nada sem compaixão – a cola que nos une em nossa humanidade comum.
Raramente ouvimos falar de compaixão por parte dos líderes de hoje. Mas alguns dos visionários mais bem-sucedidos da história, incluindo Nelson Mandela e Eleanor Roosevelt, lideraram por meio de sua notável compaixão.
Os direitos humanos vão além da liderança de pensamento para a liderança de coração. Eles exploram alguns de nossos ideais mais queridos, falando como as pessoas devem tratar umas às outras e o significado da dignidade humana.
Por esse motivo, eles são extremamente populares.
Os direitos humanos têm sido fundamentais para os movimentos por igualdade e justiça ao longo da história, desde as lutas antiescravagistas, antirracistas e antiapartheid até o movimento trabalhista, da descolonização ao movimento pelos direitos civis, o movimento das mulheres, a igualdade no casamento e o movimento LGBTIQ+, o Black Lives Matter, o movimento pelos direitos indígenas, o movimento pelos direitos dos deficientes, o movimento pela justiça climática e muito mais.
Os direitos humanos têm o poder universal de levar as pessoas à ação.
Em países onde os direitos humanos não são amplamente respeitados, as pessoas arriscam suas vidas para defendê-los. E quero prestar homenagem aos corajosos ativistas e defensores dos direitos humanos em todos os lugares.
É por isso que até mesmo os governos mais repressivos costumam usar a linguagem dos direitos humanos para tentar se justificar. Eles sabem que as violações dos direitos humanos provocam repulsa e reduzem seu poder e influência.
A defesa dos direitos humanos faz todo o sentido para a estabilidade, para a prosperidade e para um futuro comum melhor.
Os direitos humanos são uma proposta vencedora para a humanidade. Continuaremos a promover, proteger e defender os direitos humanos em todo o mundo, com humildade, determinação e esperança indomável.
FIM
Se preocupa com o mundo em que vivemos? Então DEFENDA os direitos
de alguém hoje. #Standup4humanrights e acesse
http://www.standup4humanrights.org