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Alto Comissário: “Justiça reparatória é expor e aceitar a verdade de nossa história comum”

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Discurso do Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, no diálogo sobre justiça racial, na 60ª sessão do Conselho de Direitos Humanos.

2 de outubro de 2025

Senhor Presidente,
Excelências,

O colonialismo, a escravidão e o comércio de pessoas africanas escravizadas não são apenas capítulos sombrios da nossa história comum.

O seu impacto estende-se até o presente, alimentando as desigualdades e perpetuando o racismo sistêmico contra pessoas africanas e afrodescendentes.

Em todo o mundo, afrodescendentes enfrentam barreiras enraizadas em muitas áreas da vida, incluindo acesso à educação, saúde, trabalho, moradia, policiamento, políticas climáticas e até mesmo nos espaços digitais.

O racismo e a retórica desumanizante ainda permeiam nossas instituições, comunidades e plataformas digitais. 

Além disso, as leis e políticas antirracistas não são implementadas de forma eficaz em vários Estados. 

O racismo sistêmico contra pessoas africanas e afrodescendentes foi construído ao longo de gerações e pode — e deve — ser desmantelado. 

Qualquer tentativa significativa de acabar com o racismo sistêmico deve assumir a responsabilidade do legado do colonialismo, da escravidão e do tráfico de pessoas africanas escravizadas. E os danos causados devem ser reparados.

A justiça reparatória consiste em expor e aceitar a verdade de nossa história comum.

Não em apagá-la, ignorá-la ou reescrevê-la.

O racismo sistêmico contra africanos e pessoas de ascendência africana foi construído ao longo de gerações e pode — e deve — ser eliminado.

Como acontece a justiça reparatória?

Não existe uma fórmula única. O relatório que têm diante de vocês descreve os elementos-chave de uma abordagem abrangente, baseada no direito internacional dos direitos humanos.

Essa abordagem inclui uma variedade de medidas para reparar os legados do passado e memorializar o sofrimento, a resiliência, a resistência e a dignidade das vítimas. 

Nos últimos anos, os países tomaram medidas de diferentes maneiras.

Alguns governos ofereceram desculpas formais às suas próprias comunidades ou a outros Estados, incluindo Bélgica, Brasil, Alemanha e Países Baixos.

Em alguns países, iniciativas de revelação da verdade produziram pesquisas, e eu os exorto a transformar suas descobertas em recomendações concretas. Em outros, como Colômbia, França, Maurício, México, Catar, Senegal e África do Sul, museus foram abertos e dias ou meses comemorativos foram marcados.

Na Bélgica, Gana, México, Portugal, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos e Caribe, por exemplo, estátuas ou nomes de lugares ligados a pessoas envolvidas na escravidão ou no colonialismo foram identificados, removidos ou contextualizados – embora, em alguns casos, tenhamos visto um retrocesso.

Grupos da sociedade civil estão avaliando os impactos contínuos do comércio de pessoas africanas escravizadas nas Américas e no Caribe.

Algumas pessoas reivindicaram indenização nos tribunais, o que ajudou a fortalecer os movimentos públicos e a promover pressão política para a mudança.

Outras partes interessadas, incluindo museus, universidades, grupos religiosos, empresas e até bancos, pesquisaram, reconheceram e, em alguns casos, pediram desculpas por suas ligações com o passado. Espero ver mais iniciativas como essa e que todas essas partes interessadas participem de medidas lideradas pelo Estado.

Todas essas são medidas importantes, mas muito mais é necessário. 

Porque, até agora, nenhum Estado prestou contas plenamente pelos danos do racismo sistêmico, no passado e no presente.

Vejo cinco áreas que requerem atenção urgente e que ajudarão a impulsionar a justiça reparatória: 

Primeiro, compromisso político.

Os Estados detêm o poder de combater a discriminação racial. A Segunda Década Internacional para Pessoas de Ascendência Africana é uma oportunidade para os líderes políticos liderarem com ações concretas e criativas para promover a justiça reparatória.

Em segundo lugar, uma consulta genuína e contínua com as comunidades afetadas. 

Por exemplo, consultá-las sobre o conteúdo, o momento, o local e a forma de apresentação de um pedido formal de desculpas pode fazer toda a diferença entre um pedido de desculpas autêntico e bem-vindo ou um pedido que soa falso. As pessoas africanas e afrodescendentes em toda a sua diversidade — especialmente as mulheres — precisam orientar a concepção e a implementação dos processos de justiça reparatória. Elas devem ser capazes de participar de forma significativa e segura nos processos de tomada de decisão e informar uma análise interseccional para respostas eficazes.

Em terceiro lugar, cooperação. 

É muito valioso que os países se unam para promover e buscar a justiça reparatória — além das fronteiras e regiões — especialmente quando suas histórias estão ligadas pelo colonialismo e pela escravidão. Sinto-me encorajado pelo número crescente de iniciativas desse tipo, incluindo as da União Africana e da CARICOM.

Quarto, apoio total às organizações da sociedade civil. 

Especialmente quando lideradas por pessoas afrodescendentes, elas têm estimulado os Estados, as Nações Unidas e outros a tomar medidas mais ousadas em direção à justiça reparatória. Muitas vezes, elas impulsionaram o progresso onde os governos falharam em agir. Também encorajo a solidariedade entre os movimentos pela igualdade e pelos direitos humanos, especialmente nestes dias de crescente polarização e divisões. Construir parcerias e aprender uns com os outros pode inspirar e unir.

Por fim, uma reforma global para ajudar a corrigir exclusões históricas. 

Uma representação africana mais forte no Conselho de Segurança da ONU é um passo importante, já que muitas nações ainda estavam sob domínio colonial quando o sistema foi criado. Reformar a ajuda ao desenvolvimento e os sistemas financeiros também aliviaria a dívida esmagadora, permitindo que as economias africanas investissem em educação, saúde e outras necessidades essenciais.

Meu escritório é um parceiro firme. Apoiamos os Estados na promoção dos direitos das pessoas afrodescendentes. Criamos espaços para ouvir ativamente e dialogar com africanos e pessoas afrodescendentes, e fazemos tudo ao nosso alcance para ajudar a proteger as pessoas defensoras de direitos humanos que trabalham nessas questões. O programa de bolsas de estudo do nosso escritório para pessoas afrodescendentes pode ter um impacto que se multiplica nas comunidades.

A justiça reparatória também tem a ver com moldar um futuro novo e mais igualitário.

As reparações proporcionam justiça. A justiça promove a confiança. E a confiança une as nossas comunidades.

Tradução: ONU Brasil

Precisamos agir com ousadia, em conjunto, para alcançar estes importantes objetivos.
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de alguém hoje. #Standup4humanrights e acesse 
http://www.standup4humanrights.org

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