- A pandemia da COVID-19 ressaltou os desafios acumulados por conta do racismo, como desigualdade no acesso à saúde, à educação de qualidade e ao trabalho digno.
- No Brasil, o histórico de colonização e tráfico de pessoas escravizadas se reflete em uma população composta por mais de 50% de afrodescendentes e 305 povos indígenas, que acumulam uma série de vulnerabilidades.
- Em artigo de opinião, Jan Jarab, representante da ONU Direitos Humanos na América do Sul, e Marlova Jovchelovitch Noleto, diretora e representante da UNESCO no Brasil e Coordenadora Residente a.i. da ONU no Brasil, apontam como a juventude tem um papel fundamental no enfrentamento do racismo.
- Leia a íntegra a seguir.
O peso da herança de discriminação racial — incluindo a colonização e o genocídio de povos indígenas nas Américas, o tráfico transatlântico, a escravização das pessoas afrodescendentes e a segregação racial— geram efeitos até hoje nas oportunidades e na garantia dos direitos humanos no mundo. O Brasil não é exceção: o país viveu um histórico de colonização e tráfico de pessoas escravizadas intenso, o que se reflete em uma população composta por mais de 50% de afrodescendentes e 305 povos indígenas. Esses grupos acumulam uma série de vulnerabilidades em decorrência do racismo e demandam atenção específica do poder público, da sociedade civil e de organizações internacionais.
O ano de 2020, lamentavelmente, mostrou com crueldade os impactos do racismo. Enfrentamos uma pandemia e uma crise sanitária com efeitos devastadores para as populações em situação mais vulnerável, como bem lembrou a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michele Bachelet. Ao mesmo tempo, observamos o debate sobre racismo sendo recolocado na agenda global, a partir do assassinato de George Floyd por policiais nos Estados Unidos.
No Brasil, o assassinato do João Alberto Freitas às vésperas do Dia da Consciência Negra evidenciou mais uma vez a situação do racismo, sobretudo do racismo institucional. De acordo com o Atlas da Violência de 2020, 75,7% das pessoas assassinadas são negras. Jovens negros periféricos estão entre as principais vítimas de homicídio. Jovens indígenas enfrentam estigmatização e discriminação ao saírem de suas aldeias para acessar serviços públicos de educação superior ou empregos e, frequentemente, têm seu pertencimento étnico-racial questionado.
Os desafios acumulados por causa do racismo são muitos: desigualdades no acesso à saúde, à educação de qualidade, a um trabalho digno, à moradia adequada, à terra, além do efeito desproporcional de pobreza, insegurança alimentar, criminalização e insegurança pública. A pandemia da COVID-19 ressaltou essas diferenças significativas de acesso a direitos humanos entre grupos raciais marginalizados, demonstrando o impacto do racismo, principalmente para pessoas afrodescendentes, quilombolas e povos indígenas, os mais afetados negativamente neste momento de crise sanitária.
Uma pesquisa feita pelos institutos Data Favela e Locomotiva no início deste ano mostrou que 67% dos moradores de favelas são negros. Como a maioria dos serviços de saúde de mais qualidade fica localizada nos bairros mais centrais das cidades, essa população tem acesso limitado a tais serviços, colocando essas pessoas em maior risco, visto que não recebem o tratamento adequado para a doença.
O ressurgimento de grupos neonazistas e supremacistas brancos tem encontrado na internet uma nova fronteira para disseminar discurso de ódio e discriminação racial. As novas tecnologias possibilitam que esses conteúdos se disseminem com muita rapidez, sem que haja ainda ferramentas adequadas para combater esse fenômeno. Todos esses casos demonstram o quanto o enfrentamento ao racismo permanece um desafio atual e dinâmico, que não diz respeito somente às populações que sofrem diretamente seus efeitos negativos, mas sim a todas as pessoas.
Nesse contexto, a juventude no Brasil e no mundo tem exercido um papel importante, principalmente pelo protagonismo nas redes sociais e outras ferramentas que potencializam sua mobilização e discurso. Jovens indígenas atuando em redes, ou mesmo de forma independente, têm se engajado na afirmação da diversidade da identidade indígena, reiterando e reivindicando seus direitos humanos, principalmente o direito à terra e ao meio ambiente e à participação política.
A juventude negra, também em coletivos ou de forma independente, tem fomentando a discussão sobre incidência política, educação, violência policial, ao passo que incrementa o espaço cívico para debates plurais e abertos sobre o racismo estrutural e institucional. As juventudes indígenas, negras, ciganas, de ascendência asiática têm se envolvido na conscientização e proposta de uma postura antirracista nos mais diversos espaços: cultura, meio digital, saúde, educação, meio ambiente e, principalmente, na luta por direitos humanos.
O enfrentamento ao racismo pode ter uma nova fase a partir de agora, com todas as lições deixadas pela pandemia de COVID-19. Esta nova fase deve incluir cada vez mais ações estruturais e programáticas, que incidam na raiz das desigualdades raciais. Exemplo disso é a formação de uma comissão de 20 juristas negras e negros, na Câmara dos Deputados, instalada oficialmente m 21 de janeiro deste ano, para examinar a legislação brasileira sobre racismo.
A criação de mais espaços de participação diversa e popular – especialmente para jovens – é imprescindível para ampliar o espaço cívico, garantir a visibilidade das populações e possibilitar o enfrentamento ao racismo em suas múltiplas formas. O empoderamento e o envolvimento das novas gerações na tomada de decisões importantes para a sociedade é um sopro de esperança com grande potencial para gerar mudanças no presente, mas também para reconstruirmos um futuro melhor, onde ninguém seja deixado para trás.
Leia também o artigo no site da ONU no Brasil
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