Expressando profunda preocupação com a “magnitude e a gravidade do impacto em direitos humanos” da atual crise na Venezuela, a chefe do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) afirmou na quarta-feira (20) que o país se tornou um “preocupante fator desestabilizador na região”.
Em meio a uma crise prolongada decorrente de uma economia em colapso, instabilidade política e violentas manifestações contra o governo, uma equipe técnica de cinco funcionários do ACNUDH está atualmente viajando pelo país, o que a chefe de direitos humanos da ONU, Michelle Bachelet, chamou de um “primeiro passo positivo”.
Ela destacou a deterioração de direitos econômicos e sociais no país, exacerbada pelo recente apagão elétrico, e manifestou preocupação com a “contínua criminalização de protestos pacíficos e da dissidência”.
A alta-comissária citou relatos de diversos abusos e violações cometidos por forças da segurança e grupos armados pró-governo, incluindo uso excessivo da força, assassinatos, detenções arbitrárias, torturas, ameaças e intimidações.
Ela afirmou que o ACNUDH continua investigando relatos de “possíveis execuções extrajudiciais por parte de forças da segurança”, citando a Força de Ação Especial (FAES) como supostamente responsável pelo assassinato de “ao menos 205 pessoas”. Segundo Bachelet, mais de 37 pessoas teriam sido assassinadas em janeiro de 2019 em Caracas.
“Parece que alguns destes assassinatos seguiram um padrão similar. Eles aconteceram durante operações ilegais de buscas em casas, realizadas pela FAES, que subsequentemente relatou as mortes como resultados de confrontos armados – embora testemunhas tenham relatado que as vítimas estavam desarmadas”, afirmou Bachelet.
“Também estou preocupada com as crescentes restrições envolvendo liberdade de expressão e de imprensa na Venezuela”, disse. “E com as acusações de que autoridades usaram arbitrariamente a lei contra ódio, adotada em novembro de 2017, para perseguir jornalistas, líderes da oposição e quaisquer pessoas expressando opiniões dissidentes”.
A repressão em andamento resultou, segundo relatos, em um aumento acentuado em detenções e assassinatos arbitrários, operações de busca em residências e torturas. Entre 21 e 29 de janeiro, mais de mil pessoas, incluindo menores, foram detidos arbitrariamente por ligações com protestos, segundo relatos recebidos por especialistas independentes das Nações Unidas. Muitos dos presos não puderam se comunicar por dias, sem acesso a familiares ou representação legal.
As divisões estão aumentando em uma situação já crítica, disse a alta-comissária da ONU, argumentando que há “necessidade para acordo comum sobre uma solução política, feito por todas as partes, com ações para melhorar uma série de urgentes questões de direitos humanos”. Bachelet instou autoridades a darem passos para demonstrar compromisso real e para responder questões desafiadoras relatadas em todo o país.
Especialistas condenam violações durante protestos
Em tom similar, especialistas em direitos humanos das Nações Unidas disseram nesta quinta-feira (21) que as violações relatadas durante manifestações no país são “sistemáticas e difusas”.
“Estamos profundamente preocupados com a rápida deterioração da situação econômica, social e política na Venezuela”, afirmaram. “Liberdade de expressão e de assembleia é essencial para que preocupações legítimas de cidadãos possam ser ouvidas e suas necessidades, incluindo seus direitos humanos, garantidos”.
“Recebemos relatos consistentes de um desrespeito sistemático e difuso de direitos humanos demonstrado por autoridades venezuelanas durante sua repressão a manifestantes, jornalistas e defensores dos direitos humanos. Instamos o governo a respeitar e proteger o direito de liberdade de assembleia pacífica e a responder às causas das manifestações”.
Manifestantes protestam por falta de acesso a serviços básicos, como serviços de saúde, remédios, alimentos e água. Também há manifestações por mudança democrática.
“Estamos particularmente preocupados com relatos que indicam que 26 pessoas teriam sido mortas por forças da segurança e grupos paramilitares pró-governo enquanto participavam de manifestações entre 22 e 25 de janeiro”, disseram os especialistas.
Forças da segurança teriam usado munição letal e balas de borracha contra manifestantes. Hospitais do país não possuem recursos médicos para tratar os feridos, segundo relatos.
Jornalistas e veículos da mídia também afirmaram serem alvos. Relatos indicam que serviços de Internet têm sido frequentemente desconectados, parcialmente ou totalmente. Apenas em 23 de janeiro, 17 jornalistas relataram ataques, detenções ou confisco de equipamentos. No mesmo dia, acesso a redes sociais foi obstruído e três veículos da mídia teriam sido alvo de operações de busca por autoridades civis e militares, resultando em destruição ou confisco de equipamentos.
Em 29 e 30 de janeiro, 11 jornalistas foram supostamente detidos de forma arbitrária. Quatro deles foram deportados posteriormente e, entre o início de fevereiro e a primeira semana de março, ao menos outros 20 disseram ter sido presos arbitrariamente.
O grupo de especialistas é formado por David Kaye, relator especial para a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão; Agnes Callamard, relatora especial sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias; Clément Nyaletsossi, relatora especial sobre os direitos de assembleia e associação pacíficas; Michel Forst, relator especial sobre a situação de defensores dos direitos humanos.
Também fazem parte Nils Melzer, relator especial sobre tortura e outros tipos de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes; Seong-Phil Hong, presidente-relator do Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária; Dainius Puras, relator especial sobre o direito à saúde; Victoria Tauli Corpuz, relatora especial sobre os direitos de povos indígenas; Joseph Cannataci, relator especial sobre o direito à privacidade.
Fonte: ONU Brasil
ONU Direitos Humanos – América do Sul
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