“Justamente nesses lugares onde não penetra a luz, onde a opinião pública não tem acesso, onde as coisas são feitas atrás das paredes, é onde infelizmente continuam a serem cometidos esses atos sumamente brutais que são as violações dos direitos humanos”, comentou Amerigo Incalcaterra, Representante Regional para América do Sul da Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos no seu discurso inaugural da Oficina sobre Mecanismos Nacionais de Prevenção da Tortura, que ocorreu em Santiago do Chile entre 28 e 29 de maio de 2012.
O Protocolo Facultativo da Convenção contra a Tortura (OPCAT), um instrumento internacional adicional à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (CAT), estabelece que todo Estado-Parte deve criar um Mecanismo Nacional de Prevenção (MNP) durante o primeiro ano da entrada em vigor do Protocolo. Até hoje, poucos países na região têm instalado o seu MNP.
No Chile, o governo manifestou intenções de designar o Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH) como MNP.
Com o objetivo de discutir os desafios para desenvolver essa função, o INDH e o Escritório Regional do ACNUDH organizaram este evento que reuniu especialistas e autoridades nacionais e internacionais relevantes no tema. Em nível nacional participaram o Ministro da Justiça, o Diretor de Gendarmería (o corpo chileno de guardas de prisões), o Diretor de Direitos Humanos de Carabineros (corpo policial uniformizado), o Chefe da Brigada de Direitos Humanos da Polícia de Investigações, a Defensoria Penal Pública, o Chefe da área jurídica do Programa de Direitos Humanos do Ministério do Interior, além de advogados do Ministério das Relações Exteriores do país e assessores da Secretaria-Geral da Presidência, entre outros.
Entre os especialistas internacionais estiveram o Vice-presidente do Subcomitê das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura (SPT), a Presidenta do MNP da Honduras, um representante do MNP da Costa Rica e a Diretora para América Latina da Associação para a Prevenção da Tortura (APT).
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“Espero que consigamos, a partir desta reunião, ter um plano de trabalho que derive na criação de um Mecanismo e com os melhores padrões de direitos humanos”, expressou Lorena Fries, Diretora do INDH.
O Ministro da Justiça do Chile, Teodoro Ribera, participou também do seminário e comentou em seu discurso a necessidade de realizar mudanças culturais nas instituições do Estado.
“Todos nós sabemos que o nosso sistema de privação da liberdade está não apenas na obscuridade, mas também provavelmente fora dos padrões mínimos de dignidade das pessoas”, disse. “Penso que este mecanismo é muito eficaz se conseguirmos incorporá-lo adequadamente em prol dos direitos humanos. É preciso gerar confianças, gerar uma política gradual para avançar”.
Incalcaterra destacou, além do mais, a importância de estabelecer uma base normativa clara e um marco jurídico adequado para o futuro MNP. Enfatizou na necessidade de envolver todos os atores relevantes tanto em nível institucional como da sociedade civil, de limitar as funções do MNP de acordo com o Protocolo Facultativo da Convenção contra a Tortura, de proporcionar recursos humanos e logísticos suficientes para que possam desempenhar a sua tarefa de maneira efetiva e de elaborar um plano de trabalho com o MNP concordado em nível interinstitucional.
Lições aprendidas
Representantes dos MNP de Honduras e Costa Rica compartilharam as suas experiências no assunto com os participantes da oficina.
“Os desafios sempre são muito amplos considerando que os Mecanismos estão baseados principalmente na prevenção”, comentou Odalis Najera, Presidenta do MNP da Honduras. “E os nossos povos não estão preparados de maneira suficiente para a prevenção. Por isso, todos os dias nós estamos aprendendo a implementar políticas públicas para prevenir os atos de violência”.
Esteban Vargas, integrante do MNP da Costa Rica, adicionou que uma boa prática fundamental para qualquer Mecanismo Nacional de Prevenção é estabelecer um diálogo fluente com as autoridades.
“Como membros das instituições nacionais de direitos humanos e de defensorias, estamos acostumados a confrontar as autoridades encarregadas dos centros de privação da liberdade”, opinou Vargas. “Com o Mecanismo aprendemos que o diálogo é igualmente importante. O MNP tem que aprender a negociar, a sentar à mesa, a propor, a escutar, não apenas confrontar, mas também construir”.
Os MNP são órgãos independentes que fazem visitas para examinar o tratamento e as condições das pessoas privadas de liberdade em nível nacional. Fazem recomendações para melhorar as condições e formulam propostas sobre a legislação ou projetos de lei existentes no assunto.
“Insistimos em os MNP devem ser criados por lei, estabelecendo a sua independência e que determine os lugares de detenção nos mesmos termos do Protocolo Facultativo”, expressou Mario Coriolano, defensor público argentino e vice-presidente do Subcomitê das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura (SPT).
Acrescentou que para estabelecer um mecanismo efetivo, “três pilares que eu considero indivisíveis são: vontade política, planificação e uma equipe para desenvolver o plano”.
Segundo Coriolano, os MNP devem ser órgãos independentes que cumpram com os Princípios de Paris*: “Isto é um sinal claro que permite avaliar a sua independência e se cumprem com os padrões mínimos”, disse. Ele lembrou que os MNP devem receber orçamento e recursos humanos suficientes para poder realizar visitas periódicas e ser eficazes no seu trabalho de prevenção.
“Uma carta forte que também tem o Chile é a presença do Escritório Regional do Alto Comissariado aqui”, disse Coriolano durante sua apresentação. “Tem de ser aproveitada”.
Estado de avanço na região
Desde a sua criação em 2009, o Escritório Regional para América do Sul do ACNUDH está trabalhando para promover e apoiar o estabelecimento de MNPs em todos os países de sua cobertura, bem como gerar consciência sobre o tema. Já organizou vários eventos sobre o assunto, incluindo uma consulta regional em junho de 2011. Também publicou um livro, um folheto informativo e um comentário de opinião na imprensa.
Na Argentina, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei em 2011 para criar um Sistema Nacional de Prevenção da Tortura, que hoje está no Senado. No Brasil, também foi introduzido um projeto de lei para criar um MNP em 2011, que foi analisado recentemente por comissões e está aguardando votação no Congresso.
No Brasil, como acontece na Argentina, algumas regiões já avançaram no estabelecimento dos seus próprios mecanismos. Existem Comitês Estaduais para Prevenção e Combate à Tortura no Estado do Rio de Janeiro e no Estado de Alagoas, no Brasil, e na Província do Chaco na Argentina. O poder legislativo das províncias argentinas de Río Negro, Mendoza e mais recentemente Tucumán, também aprovaram leis para criar Mecanismos de Prevenção.
No Uruguai, a recém-criada Instituição Nacional de Direitos Humanos tem entre as suas funções a de MNP, e o Comissário Parlamentar tem o mandato de observar a situação nos centros penitenciários para adultos
Ainda não existem mecanismos no Peru e no Chile, e a Venezuela ainda não ratificou o OPCAT.
29 de maio de 2012
*Os Princípios de Paris representam a principal fonte de padrões internacionais para a criação e funcionamento de instituições nacionais de direitos humanos, incluindo os MNP. Detalham a sua composição e garantias de independência e pluralismo, e a necessidade de contar com um mandato amplo de promoção e proteção plasmado em um texto constitucional ou legislativo. Os seus membros devem ser eleitos assegurando uma representação pluralista. Devem contar com uma infra-estrutura e financiamento adequados para as suas atividades, garantindo a autonomia em relação com o governo. Os seus membros devem ser nomeados em ato oficial onde é anunciada a duração do seu mandato.
Assista discursos:
Representante Regional do ACNUDH, Amerigo Incalcaterra: http://youtu.be/x4gLc4TbGAQ
Vice-presidente do SPT, Mario Coriolano: http://youtu.be/SOea9OCbC_Y